Em todos os campos, e na educação não é diferente, é comum nos deixarmos levar por discursos sedutores, que apontam ora para a inadequação das nossas práticas atuais (“aulas expositivas deveriam ser substituídas por metodologias ativas”), ora para fins um tanto fatalistas (“os empregos do futuro ainda não existem, e não estamos preparando nossos alunos para isso”).
Não é que, nessas visões de mundo, não haja alguma razão. Nem que eu seja contrário a metodologias ativas ou desconhecedor de que o mundo das profissões tem se apresentado mais imprevisível do que já foi um dia. Este, aliás, não é um texto contrário à inovação na educação.
Entretanto, ao se propor inovar nessa área, há pelo menos duas advertências sobre as quais deveríamos refletir.
A primeira delas vem de Hannah Arendt. Em seu célebre e atualíssimo A crise na educação, de 1957, a filósofa alemã defende ser dever da escola proteger as crianças do que julgamos ser novidade. Embora possa parecer intuitivo que os mais novos detenham, pelo simples fato de serem novos, a capacidade instantânea de renovar um mundo envelhecido, todas as inovações que lhes propusermos serão, elas mesmas, mais velhas que as próprias crianças.
Não se pode negar aos nossos alunos que conheçam o mundo velho em que vivemos – inclusive em seus diversos defeitos a serem dirimidos –, porque isso é condição imprescindível para serem os jovens os responsáveis, depois de amadurecidos, por mudar o que tiver de ser mudado. Nesse caso, os professores, ainda que desejassem mudar o mundo, têm o papel de representá-lo tal qual ele é, de forma a gradualmente levar o jovem à vida adulta.
Não há, nessa maneira de compreensão da autora, possibilidade de inovação sem que se compreenda bem o que é tradicional, no que se deve manter e no que se deve mudar. O novo não existe em si; ele deve ser produzido. E essa produção passa pelo compartilhamento do que é comum a todos nós. Tenhamos em vista, portanto, que mudar o tradicional pode significar colocar em risco, primeiro, o que há séculos se constrói em termos de educação e, segundo – o que é mais grave –, as crianças e os jovens envolvidos nesse processo.
Arendt entende que a escola deve proceder de modo conservador – restabelecer a
autoridade intelectual do professor, fazer prevalecer o saber sobre o fazer, propor o estudo dos antigos –, para que asseguremos que nossos mais jovens se desenvolvam e possam, de fato à maneira deles, renovar a vida social.
A segunda advertência tomo do filósofo italiano Giorgio Agamben, que, em ensaio cujo título é uma pergunta a que ele busca responder – O que é o contemporâneo? –, advoga que para ser contemporâneo, não basta, simplesmente, ser atual.
Claro, ser contemporâneo presume estar no presente, mas, para Agamben, ele necessariamente evita colar-se ao próprio tempo de tal modo a não conseguir enxergá-lo. Ele percebe aí um paradoxo, já que ser contemporâneo demanda estar no próprio tempo, mas com o condão de distanciar-se dele. Ser contemporâneo é ter capacidade de distinção: enquanto a maioria de nós deixa-se levar pelas fortes luzes do nosso tempo, o contemporâneo é quem aprende a contemplar o escuro.
É com essa metáfora luminosa que o autor mobiliza seu argumento. O contemporâneo presume elegância, e não modismo; o contemporâneo é aquilo que permanecerá perene ao longo dos anos, e não o perecível. O contemporâneo, nesse sentido, é o que se quer clássico, e não efêmero.
Creio ser necessário que aquilo que se ensina e o modo de se ensinar levem em conta que o novo, para ser bem compreendido e adaptado à realidade escolar, depende de boa interpretação provida sobretudo pelo velho. E será inovadora não a escola que se deixar levar pelas novidades ao sabor dos ventos de uma época, mas sim aquela que promover mudanças guiadas por valores que norteiem cada fazer pedagógico.
Adaptar-se aos tempos e suas novidades é um imperativo tanto quanto o é preservar legados. Dito de outra forma, somente pode de fato romper tradições quem as domina e as quer cultivar: lecionar educação financeira na educação básica, por exemplo, não pode significar – como querem utilitaristas e influencers digitais aqui e ali – deixar de ensinar o teorema de Pitágoras.
A escola inovadora, nesse sentido, olha para o presente e para o futuro sem deixar de dialogar com um passado que, sem ela, provavelmente seria esquecido. A escola só é inovadora, portanto, se, diante dos desafios de hoje e de amanhã, evitar os erros tantas vezes já cometidos ontem. Enfrentar mudanças não pode significar atropelar aquilo e aqueles que bem nos trouxeram até aqui. Assim como o cubismo de Picasso não ignorava o barroco de Velázquez; assim como Bill Evans, lendário pianista de jazz, tinha Bach como uma de suas principais referências.
Mudanças devem vir acompanhadas de permanências; rupturas, de tradições. A escola que devora o novo e ignora o que se produziu durante séculos adere ao modismo condenado por Agamben e deixa desprotegidos seus alunos, desprezando a visão de Arendt. Logo, não se trata de evitar mudanças nem de os educadores nos aprisionarmos em uma torre de marfim, mas sim de impedir que as armadilhas novidadeiras sempre à farta disposição – nas campanhas de marketing, sobretudo – ameacem boas experiências educacionais.
Aliás, a questão central no debate atual sequer é exatamente a necessidade de lidarmos com mudanças, mas sim, como defende Charles Fadel, com o fato de que a taxa com que as coisas têm mudado é maior do que jamais foi. Temos de ter o cuidado de que isso não signifique que, nesse contexto em que nosso mundo tem se consumido a uma velocidade alucinante (e extenuante), proponhamos inovações pedagógicas igualmente intensas, pois tal intensidade comumente é sintoma de um modo irrefletido de se trabalhar.
Em outras palavras, o problema que se deve evitar – e assim tem pensado instituições internacionalmente reconhecidas – é que as mudanças rápidas pelas quais o mundo tem passado não podem trazer inovações que dispensam o legado do conhecimento humano herdado por nós e que se deixem ditar pelas últimas tendências da moda.
O uso de metodologias ativas, o emprego de tecnologia educacional para análise de dados escolares ou o trabalho com o empreendedorismo entre alunos são exemplos de tópicos trabalhados de modo cada vez mais corriqueiro por aí. São, frise-se, temas relevantes e que estão na ordem do dia de qualquer instituição séria, mas é preocupante o nível superficial com que são tratados, justamente por não se compreenderem as duas advertências aqui trazidas.
Bruno Alvarez
Vice-Diretor de Inovações Pedagógicas no Colégio Pentágono, onde atua há quase 15 anos. No Colégio, já passou pela sala de aula como professor e, posteriormente, assumiu a coordenação do Ensino Médio da Unidade Morumbi e a gestão da área de Linguagens. Linguista formado pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Linguística Aplicada e MBA em Gestão Escolar. Atualmente, cursa um MBA Executivo na FGV.
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