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Formação universitária está distante do que o país precisa

Dados de aprendizagem do Enade mostram que ensino superior se encontra num momento desafiador e, se prova fosse como um exame da OAB, três em quatro diplomados não poderiam exercer sua profissão

Por Alexandre Nicolini

 

Quando eu era reitor, uma queixa frequente dos empresários era a falta de sintonia entre a formação universitária e o exercício da carreira no mercado de trabalho. Uma das causas é que a formação superior no Brasil sempre seguiu o princípio da qualificação, que é o conjunto de saberes necessários para o exercício da profissão.

Mas saber não significa necessariamente saber fazer e assim reforçava-se o dissenso

entre teoria e prática.

 

No início do século 21, marcado no Brasil e no mundo pela competência como princípio orientador da formação profissional, espera-se que o bacharel, licenciado ou tecnólogo consiga analisar na sua carreira problemas complexos e propor como resolvê-los além das atividades prescritas, para responder com mais eficácia às novas situações de trabalho ditadas pela Revolução Digital.

Dessa maneira, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) nunca foi tão importante para verificar se os estudantes estão se tornando capazes de dar as respostas que a sociedade precisa. A prova tornou-se uma das raras políticas públicas brasileiras que resistiu a oito mandatos presidenciais de diferentes, e até antagônicas, tendências políticas. Nesses 29 anos, o INEP construiu um corpo de servidores profissional e metodologias de trabalho cientificamente robustas, que nos fornecem dados confiáveis sobre o desempenho de cada Instituição de Ensino Superior (IES) .

 

Por meio desses dados de aprendizagem do Enade, pode-se afirmar que o ensino superior se encontra num momento desafiador. Verifica-se que em quase todas as carreiras 40% de acertos em perguntas que testam seus saberes científicos, e entre 20% a 30% de sucesso nas questões que simulam situações reais de trabalho. Se fosse um exame como o da OAB, três em cada quatro diplomados não poderiam exercer sua profissão. É um problema relevante para o Brasil, pois resulta em baixa produtividade do trabalho e limitada capacidade de inovação.

 

Nas carreiras de educação o cenário é ainda mais desolador. No último Enade, fizeram a prova 148.317 formandos em Pedagogia, a mais procurada na área, sendo 73% egressos de cursos a distância (EAD) . Em geral, bastam 34% de acertos nas questões específicas para que as IES se enquadrem no “padrão mínimo de qualidade” que assegura o conceito 3, numa escala de 1 a 5. Em duas das três questões voltadas à prática profissional, porém, a média de acerto foi de 17,1% e 24,2%. A cada cinco problemas da carreira, é provável que o estudante mediano não resolva três deles!

 

Os números mostram que 90.183 estudantes se formaram em cursos com conceitos 1 e 2, ou seja, que estavam abaixo do padrão mínimo de qualidade: 72,3% na modalidade EAD e 29,5% na modalidade presencial. Na outra ponta, se considerarmos apenas os melhores conceitos, teríamos apenas 23.076 formandos obtendo 4 e 5, mas tendo em conta que eles acertaram pouco mais de 50% da prova, o que não é exatamente um resultado para se comemorar.

Esse cenário tem provocado manifestações ruidosas do ministro da Educação, que culpa principalmente o EAD. Mas elas são injustas, já que o problema não é a modalidade da formação. Baixos desempenhos estão na Pedagogia e em todos os cursos de formação de professores, seja qual for a modalidade de oferta, e se apresentam até mesmo nas melhores instituições de ensino. O EAD é apenas a ponta do iceberg. Mesmo as IES federais só registraram 48,68% das melhores notas, contra 25,97% das IES privadas sem fins lucrativos, e apenas 9,46% das privadas com finalidade de lucro. Não obstante, há poucos bons conceitos em todos os tipos de IES, modalidades e vinculações administrativas.


Acertadamente, o MEC decidiu enfrentar o problema reformulando a política pública de formação dos docentes, que são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores, e aprimorar a política pública de avaliação da formação, que é a construção do Enade para as licenciaturas. Mas são duas ações que devem ser integradas, pois a avaliação faz o diagnóstico do que precisa ser melhorado no ensino, e, nesse caso, todos os aprimoramentos no ensino precisam ser avaliados para sabermos se as fragilidades foram superadas.


Outra decisão importante foi realizar anualmente o Enade na área das licenciaturas, pois o Brasil precisa de melhores professores “para ontem” e não pode esperar um ciclo de três anos para medir os avanços. Há também a proposta de avaliar via Enade o estágio de docência obrigatório, que deve ser realizado em situação real de trabalho em escola, inclusive para os estudantes de EAD. A medida é inovadora e estratégica para formar docentes capazes de promover um salto no desempenho do país em exames padronizados, nacionais e internacionais, como SAEB, Enem e Pisa.

 

Naturalmente haverá dificuldades. Embora a pesquisa em educação seja abundante, investigamos pouco como propor e testar metodologias de ensino-aprendizagem. É preciso construir o novo modelo do Enade com questões que não abandonem a teoria, mas testem sua aplicabilidade em situações típicas do exercício profissional. Operacionalizar a avaliação do estágio de docência significa treinar supervisores para mensurar o desempenho de centenas de milhares de novos formandos a cada ano. E é preciso haver previsão orçamentária e operacional para isso.

 

Acredito que será fundamental convencer a sociedade de que não há futuro para um país sem bons profissionais. Novos talentos dependem de professores eficazes, que por sua vez não existirão sem uma formação consistente. O ensino superior, público e privado, precisa ser convocado a investir mais em metodologias de trabalho e formação de pessoal para superarmos os desafios apresentados. E isso exige políticas públicas consistentes e corajosas.

 

 

Alexandre Nicolini é doutor em Administração pela UFBA com estágio de

doutoramento na Universidade de Paris IX, especialista em Design Curricular e

Avaliação da Aprendizagem

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